Em setembro de 2009, em visita às novas instalações do Observatório do Vaticano no Castelo Gandolfo, sua residência de verão, o papa Bento XVI segurou e examinou atentamente um meteorito que se desprendeu de Marte e caiu no Egito por volta de 1911. O papa também quis saber detalhes das atividades dos telescópios da Igreja católica instalados nas montanhas do Arizona, nos Estados Unidos. Passou 45 minutos fazendo perguntas e conversando com os cientistas. "Isso é muito tempo para o papa, acredite", conta o padre jesuíta e astrônomo José Funes ao subir o elevador da PUC-RJ - onde participou de encontro internacional Evolving Universe - para uma entrevista com o Terra.
Diretor do observatório astronômico e responsável pelas pesquisas da Igreja que envolvem a formação e a evolução das galáxias, procura de formações semelhantes ao Sistema Solar, Big Bang, física quântica e teoria da relatividade, Funes não acredita que ciência e religião sejam antagônicas. Para ele, são duas maneiras de explicar a razão de existirmos e como viemos parar aqui. Enquanto a ciência provê respostas através de testes e teorias, acredita ele, a religião oferece explicações do ponto de vista da fé. Mas por que estaria a Igreja procurando respostas no céu?
"Não procuro Deus diretamente em meu telescópio, observando as galáxias. Mas sim na procura pela verdade, na colaboração com as outras pessoas, ao comunicar o que estou aprendendo. É uma maneira de encontrar Deus", explica o padre. Confira a entrevista:
Terra - Você sustenta que a bíblia não é um livro científico. Como ela deve ser lida? Funes - "A bíblia é a carta de amor que Deus mandou para seu povo, com a linguagem de 2 mil anos atrás. Naquela época, não havia o conhecimento científico que nós temos hoje. Não podemos ler a bíblia achando que nós vamos encontrar respostas para as nossas perguntas científicas.
Terra -Como isso se aplica na comparação entre a história de Adão e Eva e a Teoria da Evolução, de Darwin? Funes - "O que continua verdadeiro na mensagem é a humanidade como um todo e sua origem em Deus. As pessoas tinham que entender onde estamos do ponto de vista da fé. De onde viemos? Por que há maldade no mundo? O autor da bíblia tenta responder essas questões do ponto de vista da fé".
Terra -O senhor considera o Big Bang como a teoria científica que melhor explica o começo do universo. Onde entraria Deus nesse processo? Funes - "O Big Bang é uma interpretação modal para entendermos a origem do universo. É uma teoria inventada pelo homem. Uma maneira intelectual que encontramos para entender a origem do universo. Se entendermos o Big Bang como começo do universo, então entenderemos que o universo existe por causa da vontade de Deus. Nós estamos falando aqui, nesse lugar bonito que é o Rio porque de alguma forma, não sabemos direito como ou por quê Deus está nos sustentando. Não é um fato científico, mas é um fato metafísico. É algo que vai além da ciência".
Terra -A ciência poderia provar a existência de Deus? Funes - "A existência de Deus não pode ser provada com um teorema matemático. Nós somos racionais. Nossa fé é racional. Nós podemos encontrar Deus usando nossa inteligência. O universo inteiro existe por causa de Deus. Logo tudo o que está nele é motivado pelo desejo de Deus criador".
Terra -Certa vez, o senhor cogitou que se descobríssemos a existência de vida em outro planeta, eles poderiam ser seres livres do pecado original. Como isso se daria? Funes - "Não temos nenhuma prova até agora de vida fora da Terra. Então é uma resposta hipotética para uma pergunta hipotética. Se existir, faz parte da mesma vontade de Deus que proporcionou a nossa existência. Nós somos livres para dizer sim ou não para Deus. O pecado original explica a existência de maldade na história humana. Pode ser possível que haja seres espirituais que podem dizer sim para o plano de Deus. Eles podem ter usado bem sua liberdade. De qualquer forma, esses seres poderiam, ser beneficiados pela misericórdia divina, poderiam ser amigos de Deus.
Terra -Teorias científicas dizem que em determinado ponto a Terra vai ser destruída, provavelmente engolida pelo sol. Isso seria parte da vontade de Deus? Funes - "É parte da nossa realidade. Somos seres frágeis, podemos ver isso com os terremotos. É parte da nossa natureza. Qualquer coisa pode nos causar dor e sofrimento. De acordo com o nosso conhecimento de evolução estrelar, sim, poderia ser o fim da Terra. Mas temos cinco bilhões de anos até que isso ocorra. Podemos aprender como sobreviver ou como ir para outra estrela. Mas nós temos que aprender que somos muito frágeis. É parte de nossa vida. Temos que ser cuidadosos com a nossa Terra e como usamos nossos recursos naturais. Tudo tem um equilíbrio muito gentil. Temos que ter cuidado.
Terra -Para se fazer ciência, é necessário ter dúvidas, enquanto a religião fornece certezas. Não são duas coisas conflitantes? Como o senhor concilia? Funes - O que me motiva não são dúvidas, são perguntas. Sou curioso para entender como funciona o universo. Claro, algumas vezes você tem dúvidas para testar suas idéias. É assim que funciona a ciência. Eu não diria que Deus provê certezas. Deus provê conforto, consolo. Consolo quer dizer que você vive em paz, com amor pelo próximo, esperança e fé. Não quer dizer que tudo está bem, tudo está ok. O sofrimento também faz parte da vida cristã. Mas você também pode sofrer e lidar com as dúvidas com profunda paz. Fazer ciência é uma maneira de encontrar Deus. Eu fui treinado a encontrar Deus em tudo o que fazemos. Podemos encontrar Deus em nossa conversar ou no seu trabalho. Se é algo que você gosta de fazer e quer transmitir para os outros. Porque Deus se comunica de maneiras distintas. Precisamos de um tipo de treinamento para escutá-lo e para seguir o seu consolo".
Terra - O senhor acredita que é importante difundir o conhecimento científico ou nem todos deveriam saber o que realmente ocorre? Funes - "É muito importante. Os seres humanos, desde o começo do universo, são inspirados pelo céu, pelas estrelas. A astronomia coloca em perspectiva a procura do conhecimento de onde estamos nesse imenso universo. Todas as pessoas têm o direito de se perguntar essas questões. Acho que todos deveriam ter o direito de saber, por exemplo, que o universo tem 14 bilhões de anos. Quando dou palestras para o público em geral, eu repito isso. Porque apenas uma parte muito pequena da humanidade tem acesso a esse tipo de conhecimento. Todos deveriam ter acesso. É parte da nossa natureza humana. Todos deveriam ter a chance de aprender".
Fonte: Terra.br
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